A Bíblia, enquanto documento histórico, é uma janela para a vida das pessoas que viveram em Israel e nas nações fronteiriças do Egito, Mesopotâmia, Grécia, Roma e Judeia por volta de 1300 a.C. em diante, incluindo relatos de comércio, ciência, alimentação, medicina e cultura.
Pensa-se que o texto original da Bíblia tenha sido escrito pelo povo judeu em hebraico e aramaico, sendo, posteriormente, traduzido para o grego, com os primeiros versos do Antigo Testamento a terem sido escritos por volta de 1875 a.C.
Na Bíblia, a importância das plantas é destacada.
Então Deus disse: “Eis que vos dou todas as plantas sobre a face da terra que dão sementes e todas as árvores cujos frutos contêm sementes. Elas serão o vosso alimento” (Génesis 1:29).
Deus deu ainda o uso das plantas para os cuidados curativos, tanto físicos quanto emocionais.
Então Isaías disse: “Preparem uma pasta de figos”. Os servos de Ezequias fizeram a pasta e a espalharam sobre a ferida, e Ezequias se recuperou (2 Reis 20:7).
“Todas as tuas vestes cheiram a mirra, a aloés e a cássia, desde os palácios de marfim de onde te alegram” (Salmos 45:8).
Assim, estas eram altamente valorizadas e dadas como presente a reis e como tributo nos templos.
“E ela deu ao rei 120 talentos de ouro, grandes quantidades de especiarias e pedras preciosas. Nunca mais se trouxeram tantas especiarias como as que a rainha de Sabá deu ao rei Salomão” (1 Reis 10:10).
Sendo, inevitavelmente, também associadas à riqueza.
“Possuía Ezequias muitíssimas riquezas e glória; construiu depósitos para guardar prata, ouro, pedras preciosas, especiarias e todo o tipo de objetos de valor” (2 Crónicas 32:27).
Embora sem consenso em relação a números, pensa-se virem referidas na Bíblia cerca de 200 espécies de plantas, com 43 a serem mencionadas em relação à medicina.
Plantas Bíblicas de Maior Relevância na Fitoterapia Moderna
AÇAFRÃO (Crocus sativus L.)
“Nardo e açafrão, cálamo e canela e toda a espécie de madeiras aromáticas, mirra e aloés e as mais finas especiarias” (Cânticos 4:14).
O açafrão é a especiaria mais cara do mundo, sendo que ao longo da história chegou a valer três vezes o preço do ouro. Diz-se que os antigos alquimistas egípcios o usavam para fazer Kyphi, o perfume dos Deuses no Antigo Egito, e que Cleópatra deu à sua pele um brilho dourado banhando-se em águas com infusão de açafrão.
Atualmente o açafrão é utilizado para fins medicinais como coadjuvante no tratamento e prevenção de diferentes tipos de cancro; como antidepressivo; como anti-inflamatório, analgésico e regenerador dos tecidos; nas dispepsias; na proteção das artérias contra a aterosclerose.
Evidência Científica
Segundo Heather Ann Hausenblas et al. J Integr Med. 2013, através da presente meta-análise de ensaios clínicos randomizados, duplo-cegos e controlados, foi concluído que a suplementação com açafrão pode melhorar os sintomas de depressão em adultos com transtorno depressivo maior.
ALHO (Allium sativum L.)
“Nós recordamos o peixe que comíamos no Egito, e também os pepinos, melões, cebolas e alhos” (Números 11:5).
O alho vem mencionado em antigos textos egípcios, gregos, indianos e chineses, bem como na Bíblia, no Talmude e no Alcorão, sendo ainda um dos primeiros exemplos documentados de plantas utilizadas no tratamento de doenças e manutenção da saúde.
Atualmente o alho é utilizado para fins medicinais pelas suas propriedades antibacterianas e antifúngicas; na prevenção da aterosclerose, hiperlipemias, hipercolesterolemia e tromboembolias; nas infeções urinárias; na gripe, sinusite, bronquite e outras afeções respiratórias.
Evidência Científica
Segundo Naser Ahmadi et al. Int J Cardiol. 2013, através do presente ensaio clínico randomizado e controlado por placebo, foi concluído que o extrato de alho envelhecido está associado ao aumento do tecido adiposo castanho, diminuição do tecido adiposo branco, redução da homocisteína e ausência de progressão da aterosclerose coronariana.
ALOÉ (Aloe vera (L.) Burm.f.)
“Ele estava acompanhado por Nicodemos, o homem que havia visitado Jesus à noite. Nicodemos trouxe uma mistura de mirra e aloés, cerca de setenta e cinco libras de peso” (João 19:39).
O aloé tem sido utilizado para fins medicinais por diferentes culturas desde há milénios. As rainhas egípcias Nefertiti e Cleópatra usavam-no como parte integrante dos seus cuidados de beleza. Alexandre o Grande e Cristóvão Colombo utilizavam-no para tratar as feridas dos seus soldados.
Atualmente o aloé é utilizado para fins medicinais nas úlceras pépticas, colites, azia e obstipação suave. Externamente, no tratamento de feridas menores e queimaduras de primeiro e segundo grau por radiação, por calor e pelo sol.
Evidência Científica
Segundo Muhammad Naveed Shahzad e Naheed Ahmed; J Pak Med Assoc. 2013, através do presente ensaio clínico randomizado e controlado, foi concluído que o tratamento de queimaduras térmicas com gel de Aloé Vera, demonstrou ser superior à sulfadiazina de prata em relação à epitelização precoce da ferida, alívio precoce da dor e custo-efetividade.
CANELA (Cinnamomum verum J. Presl.)
“Toma para ti das principais especiarias: da mais pura mirra quinhentos siclos, de canela aromática a metade, a saber, duzentos e cinquenta siclos, de cálamo aromático duzentos e cinquenta siclos, de cássia, quinhentos siclos, segundo o siclo do santuário; e de azeite de oliveiras, um him. E disto farás o azeite da santa unção” (Êxodo 30:23).
Há mais de 2000 anos que a canela tem vindo a ser utilizada como perfume, sendo inclusivamente um dos ingredientes do Óleo Sagrado da Unção. Na Grécia antiga, a canela era dada como tributo a Apolo no seu templo em Mileto.
Atualmente a canela é utilizada para fins medicinais na manutenção de níveis saudáveis de açúcar no sangue; para ajudar a combater infeções; para melhorar a circulação sanguínea; para ajudar a diminuir a inflamação; no alívio da depressão.
Evidência Científica
Segundo Alam Khan et al. Diabetes Care. 2003, através do presente ensaio clínico randomizado e controlado por placebo, foi concluído que a ingestão de canela reduz a glicose sérica, triglicerídeos, colesterol LDL e colesterol total em pessoas com diabetes tipo 2, sugerindo que a canela pode reduzir fatores de risco associados à diabetes e doenças cardiovasculares.
NARDO (Nardostachys jatamansi (D.Don) DC.)
“Então Maria pegou um frasco de nardo puro, que era um perfume caro, derramou-o sobre os pés de Jesus e os enxugou com os seus cabelos. E a casa encheu-se com a fragrância do perfume” (João 12:3).
Usado como oferenda no Templo de Jerusalém, o nardo é mencionado diversas vezes na Bíblia, sendo o óleo que Maria usou para ungir Jesus antes da Última Ceia.
Atualmente o nardo é utilizado para fins medicinais devido à sua ação anti-inflamatória, antibacteriana e antifúngica nos problemas de pele como feridas, erupções cutâneas, pé de atleta, e nos distúrbios do sistema nervoso como ansiedade, depressão e insónia.
Nota: o nardo encontra-se, no presente, criticamente ameaçado devido à colheita e pastoreio excessivos, perda de habitats e degradação florestal. Assim, desde 2017 foram impostas restrições ao seu comércio internacional, sendo por isso o seu uso habitualmente substituído pelo da Valeriana officinalis, planta da mesma família.
Evidência Científica
Segundo Ran Li et al. J Ethnopharmacol. 2021, a Nardostachys jatamansi exerce a sua ação antidepressiva através da regulação das proteínas transportadoras de serotonina (SERT).
FRANKINCENSE (Boswellia sacra syn. B. bhaw-dajiana, syn. B. carteri)
E disse ainda o Senhor a Moisés: “Junta as seguintes essências: bálsamo, ónica, craveiro, gálbano e o mais puro dos incensos, todos em quantidades iguais” (Êxodo 30:34).
Utilizado há milhares de anos durante práticas espirituais como meio de meditação e elevação do espírito, na tradição cristã, o frankincense foi um dos três presentes oferecidos pelos Reis Magos ao Menino Jesus.
Atualmente o frankincense é utilizado para fins medicinais no apoio ao sistema imunitário; na regulação dos níveis hormonais; pela sua ação anti-inflamatória e anti-tumoral; na diminuição dos sinais de envelhecimento da pele; para melhorar emoções negativas; para diminuir os níveis de stress.
Evidência Científica
Segundo Afsaneh Mohsenzadeh et al. BMC Res Notes. 2023, através do presente ensaio clínico randomizado, duplo-cego e controlado por placebo, foi concluído que a aplicação tópica de óleo de frankincense, pode diminuir a intensidade da dor e melhorar a função em pacientes com osteoartrite do joelho.
HISSOPO (Hyssopus officinalis L.)
“Purifica-me com hissopo, e ficarei limpo; lava-me, e ficarei mais branco do que a neve” (Salmo 51:7).
Hissopo vem da palavra hebraica ezob, que significa “planta sagrada”, sendo que em tempos ancestrais, o hissopo era utilizado como planta consagrada para a purificação de locais sagrados.
Atualmente o hissopo é utilizado para fins medicinais em gripes e constipações, sinusites, bronquites e asma. Externamente, é usado para desinfetar feridas e outros problemas dérmicos.
Evidência Científica
Segundo Stephanie Leigh-de Rapper et al. Antibiotics (Basel). 2021, a combinação dos óleos essenciais de hissopo e alecrim, demonstrou atividade antimicrobiana e efeitos anti-inflamatórios, revelando-se uma promissora alternativa nas infeções respiratórias.
MIRRA (Commiphora myrrha (Nees) Engl.)
Então Israel, seu pai, disse: “Se tem de ser assim, que seja! Coloquem alguns dos melhores produtos da nossa terra na bagagem e levem-nos como presente ao tal homem: um pouco de bálsamo, um pouco de mel, algumas especiarias e mirra, algumas nozes de pistache e amêndoas” (Genesis 43:11).
Descoberta há mais de 3700 anos pelos egípcios antigos que se referiam a ela como “as lágrimas de Hórus” e a utilizavam durante cerimónias religiosas, a mirra é mais conhecida como um dos três presentes oferecidos pelos Reis Magos ao Menino Jesus no Novo Testamento. E embora a sua referência mais famosa tenha sido feita pelos hebreus bíblicos como óleo sagrado e religioso, as suas propriedades curativas foram amplamente utilizadas e documentadas da Grécia à China e Médio Oriente.
Atualmente a mirra é utilizada para fins medicinais pelas suas propriedades anticancerígenas, antioxidantes e anti-inflamatórias; pela sua ação antibacteriana e antifúngica; no apoio à cicatrização de feridas.
Evidência Científica
Segundo Yingli Chen et al. Oncol Lett. 2013, os óleos essenciais de mirra e frankincense demonstraram atividade anticancerígena in vitro.
ROMÃ (Punica granatum L.)
“Eu te daria vinho aromático para beber e mosto das minhas romãs” (Cantares 8:2).
De acordo com a tradição judaica, a romã contém 613 sementes, o mesmo número de mandamentos que Deus deu a Moisés no Monte Sinai. Durante milênios na Europa, Pérsia e Ásia, nas tradições budista, islâmica, judaica e cristã, as romãs foram invocadas como símbolo de fertilidade.
Atualmente a romã é utilizada para fins medicinais na prevenção e tratamento coadjuvante das doenças cardiovasculares (angina de peito e aterosclerose).
Evidência Científica
Segundo Michael Aviram et al. Clin Nutr. 2004, através do presente ensaio clínico randomizado e controlado por placebo, foi concluído que o consumo de sumo de romã por pacientes com estenose grave da artéria carótida, diminui a espessura da camada íntima-média, sendo que esses efeitos podem estar relacionados com o potente efeito antioxidante dos polifenóis presentes no seu sumo.
VIDEIRA (Vitis vinifera L.)
“Todo o homem poderá sentar-se debaixo da sua videira e debaixo da sua figueira e ninguém o incomodará. Esta é a promessa do Senhor” (Miquéias 4:4).
A cultura da uva é provavelmente tão antiga quanto a própria civilização. Evidências arqueológicas sugerem que os humanos começaram a cultivar uvas em 6500 a.C. durante a era neolítica. Por volta de 4.000 a.C., o cultivo da uva estendia-se do Cáucaso Sul à Ásia Menor e através do Delta do Nilo no Egito. O rei Hamurabi da Babilónia promulgou aquela que provavelmente foi a primeira lei sobre bebidas alcoólicas do mundo, quando estabeleceu regras para o comércio de vinhos em 1700 a.C.
Atualmente a videira é utilizada para fins medicinais nas afeções venosas e problemas de microcirculação, edemas, hemorroidal, varizes, e no tratamento e prevenção da aterosclerose e hiperlipidemias.
Evidência Científica
Segundo Nachum Vaisman e Eva Niv; Int J Food Sci Nutr. 2015, através do presente ensaio clínico randomizado, duplo-cego e controlado por placebo, foi concluído que a suplementação com extrato de uva vermelha, afeta positivamente a função endotelial, pressão arterial diastólica e stress oxidativo sem quaisquer efeitos adversos.
Bibliografia:
Medicinal plants of the Bible – revisited https://ethnobiomed.biomedcentral.com/articles/10.1186/s13002-019-0338-8
Saffron (Crocus sativus L.) and major depressive disorder: a meta-analysis of randomized clinical trials https://www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/S2095496414601412?via%3Dihub
Aged garlic extract with supplement is associated with increase in brown adipose, decrease in white adipose tissue and predict lack of progression in coronary atherosclerosis https://www.internationaljournalofcardiology.com/article/S0167-5273(13)00242-8/fulltext
Effectiveness of Aloe Vera gel compared with 1% silver sulphadiazine cream as burn wound dressing in second degree burns https://jpma.org.pk/article-details/4001?article_id=4001
Cinnamon improves glucose and lipids of people with type 2 diabetes https://diabetesjournals.org/care/article/26/12/3215/21858/Cinnamon-Improves-Glucose-and-Lipids-of-People
Antidepressant activities and regulative effects on serotonin transporter of Nardostachys jatamansi DC https://www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/S0378874120334899?via%3Dihub
Evaluation of the effectiveness of topical oily solution containing frankincense extract in the treatment of knee osteoarthritis: a randomized, double-blind, placebo-controlled clinical trial https://bmcresnotes.biomedcentral.com/articles/10.1186/s13104-023-06291-5
Essential Oil Blends: The Potential of Combined Use for Respiratory Tract Infections https://www.mdpi.com/2079-6382/10/12/1517
Composition and potential anticancer activities of essential oils obtained from myrrh and frankincense https://www.spandidos-publications.com/10.3892/ol.2013.1520
Pomegranate juice consumption for 3 years by patients with carotid artery stenosis reduces common carotid intima-media thickness, blood pressure and LDL oxidation https://www.clinicalnutritionjournal.com/article/S0261-5614(03)00213-9/fulltext
Daily consumption of red grape cell powder in a dietary dose improves cardiovascular parameters: a double blind, placebo-controlled, randomized study https://www.tandfonline.com/doi/abs/10.3109/09637486.2014.1000840?journalCode=iijf20